Com o objetivo de contribuir para a descarbonização da economia, Google investe em projetos contra o desmatamento da Amazônia


Amazônia codificada

Sobram evidências de que quando empresas como o Google entram em projetos dispostas a empregar todo seu poder tecnológico, a realidade que existia antes não será mais a mesma. Quase imediatamente qualquer informação parece ser transformada em códigos, algoritmos e toda a sorte de linguagem computacional. E foi a imagem das árvores, dos rios, estradas e animais da Amazônia se transformando nessa matrix digital que veio à mente quando Fábio Coelho, presidente do Google Brasil, reuniu uma comitiva de convidados na cidade de Belém (PA) para anunciar que as mais disruptivas tecnologias da empresa estão sendo empregadas para mapear a floresta Amazônica. O objetivo, evitar seu desmatamento. “Nunca tivemos tanta consciência da necessidade de aplicar capital intelectual na proteção da floresta e na prática da sustentabilidade contra o aquecimento global”, afirmou.

Dentre os projetos apresentados que consumiram cerca de R$ 10 milhões em doações e inúmeras horas de uso das ferramentas e de trabalho dos profissionais da big tech, destaque para os que reúnem Inteligência Artificial (IA), tecnologia geoespacial e soluções do Google Cloud. Em parceria com entidades como o MapBiomas, com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) esse arcabouço de ferramentas já está mapeando e armazenando em nuvem petabytes de dados sobre a própria floresta, seu desmatamento, incêndios e inundações.

R$ 10 milhões
em doações e inúmeras horas de
uso das ferramentas e de trabalho
dos profissionais foram
doados pelo Google

Depois de capturados, esses dados são usados, por exemplo, pelo Google Earth e pelo Google Earth Engine — plataforma para dados e análises de ciências da Terra — em mapas interativos 4D que permitem visualizações precisas do bioma. O nível de detalhamento é tamanho que chega a mostrar a abertura de pequenas estradas irregulares em meio a copas das árvores. Dali, já se extrai informações como a de que da área de 6,7 milhões de km2 da Amazônia brasileira, 59% ainda não possui nenhuma estrada aberta. Monitorar novas ocorrências, segundo Carlos Souza, diretor-executivo do Imazon, é fundamental para o controle do desmatamento. “Essas pequenas estradas abrem o caminho para a ocupação da terra e se tornam fortes áreas de pressão para a floresta”, afirmou.

De acordo com o Inpe, de 1988 até 2022 mais de 750 mil km2 da floresta foram desmatados. Considerando a Amazônia Legal — composta pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins — a área sobe para mais de 850 mil km2. Dessa região, onde pelo Código Florestal qualquer propriedade tem a obrigação de manter 50% da vegetação nativa intocada, a ilegalidade no corte das árvores chega a 90% segundo estudos conduzidos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O grande obstáculo para punir os ilegais é a dificuldade de diferenciar a madeira legal da ilegal, após ela estar em trânsito. Bem, isso até agora.

“Nunca tivemos tanta consciência da necessidade de aplicar capital intelectual na proteção da floresta e na prática da sustentabilidade contra o aquecimento global”, Fábio Coelho, presidente do Google Brasil

DIGITAIS

Em parceria com a The Nature Conservancy (TNC), o Google também anunciou que usará soluções baseadas em IA e em bioquímica para rastrear e identificar madeiras cortadas da Amazônia. O projeto batizado Digitais da Floresta será feito em duas etapas. A primeira, já iniciada, consiste na análise de mais de 250 amostras de diferentes árvores nativas para identificar as ‘digitais’ de cada árvore. Esse processo é feito através de análises das composições química e isotópica da madeira (relacionada a átomos que apresentam o mesmo número atômico, mas diferentes números de massa) e permitem dizer em que área ela cresceu. Segundo as empresas, esse mapeamento terá precisão suficiente para dizer se a árvore foi plantada em área legal ou ilegal.

Na segunda etapa, esse arcabouço de dados vai compor um banco de digitais de madeiras que será disponibilizado em uma plataforma on-line de uso aberto ao público. Para Marco Lentini, coordenador do Imaflora e também parceiro do projeto, “esta iniciativa tem a expectativa de trazer informações qualificadas para compradores e tomadores de decisão”. Como resultado, além de evitar a ilegalidade, esse projeto tem potencial para manter a floresta de pé, reduzindo as emissões do Brasil em 178 milhões de toneladas de efeito de gás estufa.

Mas o maior resultado que o Google espera alcançar ao transformar a Amazônia em dados foi traduzido por Indiana Toreta, gerente de Parcerias do YouTube: “Precisamos reverter o aquecimento do planeta. Caso contrário a natureza irá se recuperar sozinha, sem a gente aqui.” E sem o Google.

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Este texto trata majoritariamente das ODS8, ODS9, ODS10, ODS11, ODS13, ODS15, ODS17

OBS: Originalmente publicado na ED 1320 da IstoÉ Dinheiro quando eu respondia pelo cargo de Editora de ESG.

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