Temos que cortar as emissões em 50% até 2030, tarefa desafiador porque nossa economia inteira é baseada em combustível fóssil


Controlar o clima é o maior desafio econômico do século 21

Marina Grossi, presidente do CBEDS

A década de 2020 marca o início de uma década em que o atual modelo de geração de riqueza, sustentado por um sistema produtivo exploratório e baseado no combustível fóssil, será posto em cheque.  Em seu lugar emerge, aos poucos, a economia verde em que os processos produtivos passam a ser circulares, baseados em reuso de materiais e com uma matriz energética limpa. O sucesso ou insucesso da jornada será medido em 2030. Esse é o prazo com o qual 195 países se comprometeram, no Acordo de Paris (2015), a reduzir em 50% as emissões de carbono. Pressão e incentivos não faltam. De acordo com Marina Grossi, diretora do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), fundos como o poderoso fundo BlackRock – com US$ 25 trilhões em ativos na carteira – já estão punindo empresas que não levam a agenda a sério. Além disso, caso seja 100% implementado com a eliminação dos gases de efeito estufa (GEE) até 2050, o Acordo de Paris pode desbloquear mais de US$ 13 trilhões em investimentos nos próximos 13 anos. 

Com o fortalecimento da economia verde, o termo sustentabilidade foi substituído pela sigla ESG (ambiental, social e de governança). Qual a diferença entre os dois? 

MARINA GROSSI – O ESG foi a maneira que o mercado encontrou de traduzir a sustentabilidade para os investidores. O conceito propõe a quantificação dos resultados para as ações ambientais, sociais e de governança. Funcionou. Este é o segundo ano em que Larry Fink (CEO da BlackRock) solta uma carta sobre o tema. Ano passado, chamou a atenção das empresas para a necessidade de ajustarem seu impacto no Planeta tendo em vista o controle das mudanças climáticas. Quem não seguiu a orientação, foi penalizado com a saída do investidor de seu Conselho de Administração. Este ano, foi além. Afirmou que é preciso redirecionar recursos investidos em setores poluentes para aplicá-los em empresas responsáveis. Sobre diversidade, anunciou que não investirá em nenhuma empresa que não tenha ao menos uma mulher no Conselho. Assim como o BlackRock, outros 30 dos maiores fundos mundiais adotaram o critério ESG. 

Os países estão verdadeiramente alinhados nessa estratégia? 

Depende. No grupo dos desenvolvidos, a jornada já começou e alguns estão bem avançados. A questão é que, devido a aspectos econômicos, havia uma discussão sobre quem pagaria a conta de ser sustentável: os países compradores ou os fornecedores. A  questão é complexa porque as economias emergentes – em sua maioria fornecedores – ainda precisam crescer, repartir riqueza e resolver questões sociais. Por isso, enxergam no tema uma fonte de custos. Falar de economia circular, de baixo carbono e mais inclusiva em países em desenvolvimento ainda é um luxo. 

Fazer essa mensuração de maneira que seja viável a comparação entre empresas e países é possível? 

Esse é um grande desafio. A parte ambiental está mais avançada nesse sentido. Existe o protocolo GHG (GreenHouse Gases) que é uma metodologia consagrada mundialmente para a mensurar a emissão de gases de efeito estufa. Mas construir esse ferramental leva tempo. O pilar social é onde esse processo está mais incipiente. Eu diria que esse é um grande desafio. 

Como a China, um país ainda em desenvolvimento e com o posto de um dos maiores poluidores do ambiente, se insere nesse contexto? 

O movimento de transição da China é muito recente. Antes de 2015, ano do Acordo de Paris, o modelo de desenvolvimento sustentável era um custo com o qual não queriam arcar. No último Fórum Econômico Mundial, realizado em janeiro, no entanto, o presidente Xi Jinping declarou que o país quer liderar a economia verde. E quando a China fala, ela faz em alta velocidade e em grande escala. 

Qual foi o gatilho para a mudança do posicionamento chinês?

Provas econômicas. Pela primeira vez China e Estados Unidos estão alinhados em um tema: a luta contra as mudanças climáticas. Isso não é à toa. O modelo de desenvolvimento passará por uma economia de baixo carbono e quem não estiver em conformidade perderá o bonde.  Estudo realizado pelo CEBDS, por exemplo, evidenciou que em áreas sem saneamento a produtividade do funcionário cai e o rendimento de crianças em fase escolar diminui. No fim das contas, é prejuízo para o investidor. De outro lado, caso o Acordo de Paris seja cumprido, trilhões de dólares serão destravados. Ou seja, ao contabilizar os prejuízos e as possibilidades de novas receitas conectadas ao ESG, o capital passou a enxergar valor. A pressão  sobre empresas e governos aumentou. 

E o Brasil? 

Para uma boa  parte do empresariado a conformidade com as políticas ESG já é uma realidade dada e que fica cada vez mais rígida. Um outro grupo, no entanto, ainda  enxerga o assunto como a China de seis anos atrás e não está disposto a investir. 

Quando se fala em investimento em ESG, qual o desafio? 

Temos que cortar as emissões em 50% até 2030 e zerar até 2050. Controlar as mudanças climáticas é o maior desafio econômico do século 21, porque nossa economia inteira é baseada em combustível fóssil. A questão é que a ciência está comprovando que esse modelo de desenvolvimento afetará nossa sobrevivência, então, por mais desafiante que seja, empresas e governos estão buscando caminhos. 

Quais soluções já estão em curso?

Ainda durante a primeira discussão sobre o Acordo de Paris ficou claro que será preciso uma quantidade considerável de recursos para fazer essa transição radical rumo à economia verde. A questão passou a ser como atrair capital, uma vez que trilhões de dólares serão necessários. Foi quando o holofote foi direcionado para as questões financeiras. Até ali, as empresas, por pressão dos consumidores, já estavam adequando suas estratégias. Mas, os investidores estavam à margem da discussão.    

O que fez o setor financeiro passar a considerar análises ESG em suas decisões?

A cobrança que o investidor está recebendo do consumidor. Nesse sentido, a pandemia da Covid-19 ajudou já que fortaleceu a compreensão de que o meio ambiente, o desenvolvimento social e a solidez financeira estão interligados e são interdependentes. Durante o isolamento, a emissão dos gases de efeito estufa (GEE) caiu no mundo devido à redução de carros na rua. Somente no Brasil os índices aumentaram, pois sua origem é o mau uso da terra e o desmatamento. 

Além do consumidor há, então, uma pressão vinda dos donos do capital uma vez que a não preocupação com o ESG traz riscos que geram milhões em prejuízos? 

Sem dúvida. Os investidores estão colocando o clima como um grande risco sistêmico, que são aqueles que impactam diversas frentes do negócio como reputação, perda de consumidores e receita. Em outras palavras, recursos financeiros. A economia de baixo carbono é o novo modelo de desenvolvimento. 

Qual foi o resultado? 

Tivemos uma adesão muito grande de empresas que se comprometeram a fazer mais pelo meio ambiente. Entre eles bancos, investidores e a agroindústria. Entidades como a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e a Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) se uniram ao movimento e ajudaram na interlocução com outros CEOs. Saímos com um plano de ação em que os empresários decidiram produzir com proteção. Aumentar a rastreabilidade da produção é um dos compromissos, mas é preciso ajuda do governo para dar escala. Com isso, mostramos que o agronegócio está em conformidade com as políticas dos países compradores. Outra proposta do CEBDS é a criação do mercado de carbono compulsório, respeitando a soberania do Brasil, a nossa competitividade e com uma implementação gradual dos setores produtivos. É uma mensagem forte já que parte das empresas o pedido ao governo para serem reguladas. Queremos também que a floresta em pé seja beneficiada, como combate ao desmatamento.

Com grande parte dos empresários engajados, entidades organizadas, uma matriz energética limpa e leis ambientais rígidas, o que falta para o Brasil liderar a economia verde? 

O primeiro passo que precisamos dar é acabar de vez com o desmatamento ilegal. É preciso garantir que as leis existentes sejam obedecidas pelo próprio País, porque não há investimentos com insegurança jurídica. Se continuarmos olhando para a foto do presente e não para os desafios colocados, vamos perder espaço na nova economia. 

Como funcionará o mercado de carbono compulsório?

Temos que entender que o carbono pode ser a grande commodity brasileira, em um mercado com potencial para movimentar US$ 10 bilhões por ano no Brasil, uma cifra defendida pelo Walter Schalka (presidente da Suzano), mas que acreditamos que pode ser muito maior. Para entrar nesse mercado, queremos um sistema de comércio de emissões similar ao que existe na Europa. O primeiro passo é arrumar a casa com regras que sejam certificadas por entidades como Inmetro. A B3, também, precisa estar junto para pensar o mercado secundário. Estamos atrasados. 

Internacionalmente o mercado de carbono já está implementado? 

Países como China e Canadá já estão operando em um modelo de mercado voluntário. Se a empresa quiser, ela vai ao mercado em busca de ferramentas para a compensação. Aqui estamos falando de um mercado compulsório regulado pelo governo. Isso traria um fluxo de capital para o País, além da contabilização de emissões que precisamos enviar para a Organização das Nações Unidas. Mais de 25% do mundo inteiro já tem o carbono precificado seja por taxação ou mercado. 

Originalmente escrito na revista IstoÉ Dinheiro de fevereiro de 2021 por mim enquanto eu estava na função de editora de ESG.

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