Decisão da Europa de romper relações comerciais com marcas que não apresentarem a devida diligência pressiona empresas
Entrar em conformidade com as boas práticas ESG (ambiental, social e de governança) está ganhando ares mais complexos, desafiadores e custosos. A grande mudança decorre do entendimento do Bloco Europeu que a transição climática está diretamente conectada com justiça social, o que levou a Comissão Europeia a criar diretrizes para due diligence de sustentabilidade corporativa com foco em direitos humanos A regra valerá para todas as empresas que operam por lá. Esse foi o principal assunto do 11o Fórum das Nações Unidas de Empresas e Direitos Humanos recém realizado na sede da ONU em Genebra, Suíça. O recado veio de Volker Türk, alto comissariado da entidade para a agenda, “precisamos de uma transformação radical: colocar os direitos humanos no centro de nossas economias e políticas de Estado”.
Pioneiros na aprovação de legislações nacionais que tornam obrigatória a prestação de contas, Alemanha, França e Holanda serviram de exemplo para os demais países. Seguindo a governança do bloco, a proposta da Comissão Europeia está agora sendo debatida pelos Estados-membros do Conselho Europeu e pelo Parlamento. Se aprovada, a diretriz proposta em março deste ano passa a vigorar a partir de 2023, estabelecendo prazo de dois anos para adaptações integral de empresas às regras impostas.
Como base para o documento estão os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e as Diretrizes para Empresas Multinacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em plenária, Victor Van Vuuren, diretor-geral adjunto da Organização Internacional do Trabalho (OIC), foi enfático ao dizer que “é tempo de mudar as leis, para rebalancear o equilíbrio de poder”, mas citou como grandes desafios para a implementação da agenda o contexto político global, a guerra da Rússia, a inflação e até o risco de recessão econômica. “Para se chegar a uma economia que sirva às pessoas, há um caminho longo”, disse.
Na prática, a diretriz agrega um ponto de atenção aos tomadores de decisão já que passa exigir garantias de que as políticas corporativas considerem os direitos humanos, além dos compromissos já estabelecidos com as alterações climáticas e consequências ambientais. Pelo documento proposto, a supervisão caberá a autoridades administrativas nacionais — a serem designadas pelos Estados-membros —, que terão poder de impor sanções em caso de não conformidade. Entre elas a suspensão das relações comerciais. Pedro Villela Capanema, gerente de Responsabilidade Social, Marca e Reputação na Eletrobras e representante brasileiro no debate de abertura do evento, apontou o caminho para a solução. “Somente colocando as dores e aspirações das pessoas no centro do negócio, as empresas conseguirão avançar na agenda”.
O executivo e outros presentes no painel, no entanto, afirmam que a transformação não pode ser responsabilidade somente da iniciativa privada. Hina Jilani membro do Fundo Fiduciário Voluntário das Nações Unidas sobre Formas Contemporâneas de Escravidão ressaltou a imperatividade de uma articulação entre os setores. “É importante entender que as empresas têm um papel de pressionar o governo para os avanços em direitos humanos”, afirmou. “Muito debate teórico tem ocorrido, agora é preciso transformá-lo em legislação”. Nesse contexto, países do bloco e mesmo alguns do hemisfério Sul como a Indonésia já apresentaram seus Planos Nacionais de Direitos Humanos. O Brasil, que passou da 84ª (2020) para a 87ª (2021) posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), do total de 191 países, ficou para trás.
BRASIL
Com a leniência e abusos cometidos pelo atual governo nesta seara, recai sobre a sociedade civil o trabalho de evoluir nas garantias de cumprimento dos direitos assegurados a todos. Em uma iniciativa conjunta, o Pacto Global da ONU no País, a consultoria Proactiva e a Petrobrás levaram para o 11o Fórum das Nações Unidas de Empresas e Direitos Humanos uma ferramenta inédita criada por aqui e um exemplo prático de sua aplicação. A Trilha dos Direitos Humanos juntou o Pacto e a consultoria comandada por Rafael Benke no desenvolvimento de uma jornada a ser seguida pelas empresas para o cumprimento das boas práticas. O ponto de partida é o Termômetro dos Direitos Humanos.
Nessa ferramenta on-line e parametrizada, empresas de todos os setores econômicos usam os critérios propostos para fazer uma autoconstatação de sua aderência às principais diretrizes internacionais. Ao final do preenchimento, a plataforma gera um relatório de resultados cujo resultado individual só será visto pela declarante para ajudá-la na compreensão de seus pontos fortes e desafios. Segundo Benke, da Proactiva, não é uma diligência e nem tão pouco um ranking. “É um self assessment que permite a empresa olhar sua situação perante a média de mercado e agir para melhorar”.
Três pilares são analisados. Gestão de direitos humanos nas próprias operações; gestão de direitos humanos na cadeia de suprimentos; e gestão em temas críticos de direitos humanos. Nessa primeira edição, pontos de atenção. Dentre eles, o fato de que apesar de 90% dos respondentes afirmarem possuir compromisso público de respeitar os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, somente 26% têm políticas específicas para a agenda.
Boa notícia é que um benchmark já está em curso. A Petrobras lançou em Genebra o primeiro projeto da Trilha que consiste em expandir os compromissos com a agenda para toda a cadeia de valor. A iniciativa foi apresentada por Rafael Chaves, diretor de Sustentabilidade da estatal. “Encontramos no Termômetro uma ferramenta para medir nossas práticas em direitos humanos, o que nos ajudará na devida diligência em 2023”, afirmou. De acordo com o executivo, nesta primeira fase 10 mil fornecedores que representam US$ 9,5 bilhões em contratos serão impactados. Dentre os critérios que passam a ser exigidos estão equidade de gênero, inclusão, saúde física e mental. Como resultado final, afirmou Chaves, essa jornada ajudará a empresa “a mostrar ao fornecedor que alinhamento aos direitos humanos e à sustentabilidade traz mais performance e mais resultado para os negócios e para a sociedade”.
Este texto trata majoritariamente das ODS5, ODS8, ODS10, ODS11, ODS13, ODS16, ODS17
Texto originalmente escrito por mim na edição 1303 da revista IstoÉ Dinheiro enquanto eu ocupava a função de editora de ESG.