Autoridades mundiais trabalham no Tratado do Plástico para acelerar alternativas sustentáveis ao material
Autoridades públicas e representantes de diversas entidades mundiais se reuniram em Paris para avançar no texto final do Tratado do Plástico. Previsto para ser concluído em 2024, o documento servirá como um acordo global com diretrizes gerais para a redução da poluição plástica em terra, rios e oceanos. Algo que, pela ambição, deve ser similar ao que foi o Acordo de Paris de 2015 para o controle do aumento de temperatura global por meio da redução dos Gases de Efeito Estufa (GEE). Poucos dias antes de embarcar para a reunião, Paulo Teixeira, superintendente executivo da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) falou sobre os desafios do setor no Brasil e sobre as expectativas para a reunião com os líderes globais orquestrado pela Organização das Nações unidas (ONU). Segundo ele, o objetivo é encontrar caminhos para uma indústria e um planeta mais sustentáveis. “Alternativas eficientes existem, precisamos colocá-las em prática”
A convite da Organização das Nações Unidas, autoridades e entidades globais estão discutindo o Tratado do Plástico. O que se pretende com a iniciativa?
O Tratado do Plástico é um documento que trará diretrizes gerais a serem desmembradas por países e suas unidades para resolver a poluição plástica no planeta. Para resolvermos o problema temos alguns caminhos já viáveis. Um deles é reduzir drasticamente as embalagens de uso único como as sacolas plásticas, copos e embalagens sem refil. Isso se dá por meio da fomentação do modelo de consumo baseado no reuso. Outro caminho é a reciclagem. Nesse caso, estendemos o ciclo de vida do material usando práticas da logística reversa e o pensamento da economia circular. Mas para isso, é preciso melhorar a gestão de resíduos com o desenvolvimento da cadeia de coleta e reciclagem. Hoje pagamos para produzir o plástico e depois pagamos novamente para aterrá-lo. Plástico em aterro é matéria-prima jogada fora. É rasgar dinheiro.
Ainda há a poluição visual no ambiente. Como isso prejudica os negócios e reputação do setor?
A poluição é a coisa certa no lugar errado. Se o plástico está na natureza, há algum equívoco no processo. Um exemplo é o erro de design, o produto é tão mal desenhado que não tem o que fazer com ele, não é possível reciclar e nem reutilizar. Esse é o caso de uma embalagem que mistura materiais diversos como papel, plásticos diferentes, vidro. A separação é tão complexa que inviabiliza a reciclagem. Preocupar-se com o design é um redirecionamento de negócio que tem impacto em todo o setor já que o ideal é que se crie produtos pensando na expansão ao máximo de seu ciclo de vida.
Quando falamos de Brasil, qual o volume de resíduos plásticos gerado atualmente?
O Brasil produz mais ou menos 7 milhões de toneladas de plástico por ano. Uma parte dessa produção é o que a gente chama de plástico de média e longa vida. Celulares, carros e tubulações, por exemplo. Não temos ideia de quando e quanto desses plásticos vão parar na natureza. Na outra ponta, temos os plásticos de vida curta. Desse grupo — embalagens comuns, pratinhos, copinhos — 40% entram na natureza no mesmo ano em que saem da indústria. Aqui está o problema mais crítico. Dessa parcela, somente 23% são recolhidos e seguem para a reciclagem mecânica. Nessa etapa, mais uma complexidade: não dá para misturar tudo e fazer um processo só, tem que separar o material por tipo e outros critérios como presença de outros materiais, de tinta…
Quantos tipos de plásticos são produzidos?
Entre os básicos temos o PVC, o polipropileno (PP), o polietileno de alta e o de baixa densidade e o PET. Depois temos alguns outros como o ABS (acrilonitrila butadieno estireno), o bioplástico, os biodegradáveis — que no Brasil tem presença marginal. Lembrando que não dá para misturar tudo em um processo de reciclagem. O consumidor descarta tudo junto, a separação é feita na cooperativa que hoje é responsável por mais de 90% da coleta ou nas empresas de reciclagem.
No alumínio temos um benchmarking com mais de 95% de reciclagem. Como é o processo de coleta e de remuneração do catador no caso do plástico?
Veja o caso de São Paulo. É certo dizer que a cidade tem o processo de coleta seletiva incluindo o plástico? É, mas só para uma parte da população. E aí entra o problema da maturidade da cadeia, que inclui a remuneração do catador. Para o PET já temos um sistema de logística reversa mais organizado, por isso tende a remunerar melhor o catador. Outros plásticos remuneram menos. A diferença de preço entre materiais, na comparação com o alumínio, vem do custo para acessar a matéria-prima virgem ou reciclada. Extrair bauxita, para a produção das latas, é muito mais caro do que pagar um catador. Além disso, o uso de energia na reciclagem é bem menor. No caso do plástico há um problema adicional, quando o preço da resina virgem cai, o preço da reciclada também cai. Isso acontece porque ambos são considerados commodities. O mercado não vê valor agregado no material reciclado, diferente do que aconteceu com o alumínio e o papel.
Falta à indústria entender o papel social do plástico reciclado?
Não dá para tratar a reciclagem só como uma questão social. Claro que no Brasil esse é um impacto importante. Mas não é sustentável o pensamento do ‘ajuda lá’. É preciso tratar o processo como negócio, com a valorização do resíduo por todos. Nossa legislação, por exemplo, determina que a responsabilidade pela logística reversa é de toda a cadeia, mas não determina um percentual mínimo de material reciclado nas embalagens. Do jeito que está hoje se o cliente falar que tanto faz um material virgem ou reciclado, a indústria vai pelo preço. Agora se a demanda for pelo reciclado porque o mercado vê valor adicionado ou porque a legislação manda, as especificações serão cumpridas.
Sobre a corresponsabilidade prevista na legislação. Como é essa divisão entre os agentes?
Pela legislação são corresponsáveis a indústria, as marcas, o varejo, as cooperativas e o consumidor. Em resumo, todos da cadeia. Mas não há definições sobre os papéis e intensidade da responsabilidade de cada um. Para cobrir esse gap, há um acordo setorial feito por algumas associações para cumprir a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS). Ali determinamos que aumentaremos para 22% o índice de reciclagem de embalagens incluindo todos os materiais. Nessa organização privada, a indústria tem a responsabilidade de reciclar e colaborar no financiamento das ações de educação e de comunicação; o dono da marca que usa a embalagem investe mais; e o varejo, sumiu.
Como fica o papel do consumidor?
Essa é outra vertente, onde temos mais perguntas do que resposta para entender o impacto no negócio. O consumo vai diminuir na busca de ser mais sustentável? O consumidor percebe práticas sustentáveis como valor? É valor adicionado? O que ele entenderá como consumo consciente? Ele substituirá alguns produtos? Claro que tem uma parcela da população bastante alinhada à agenda. Mas tem outra parte que só quer comer. Ele não está preocupado se a embalagem é reciclada ou se o produto emitiu gases de efeito estufa. Temos, então, que pensar como o tema chega nessa grande massa. Toda essa discussão também será contemplada no Tratado.
E a responsabilidade do governo?
Também está dada. Temos um arcabouço institucional muito bom no Brasil. Tem a PNRS, a Lei Ambiental, tem a obrigatoriedade dos municípios fazerem gestão de resíduos. Isso está montado. O que não existe são formas de controle e penalização. Essa parte fica na mão do Ministério Público e aí é óbvio que numa lista de prioridade que eles precisam resolver, essa não é tão grave. Infelizmente somos um País onde algumas leis pegam e outras não. A de corresponsabilidade não pegou.
Voltando a um ponto anterior na conversa. O senhor disse que o plástico jogado no aterro é dinheiro jogado fora. Por que os governos locais não fazem disso uma linha de receita?
Por opção. Como o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan disse: “não ter uma política industrial, é ter uma política industrial.”
Originalmente publicado na Ed 1326 da IstoÉ Dinheiro