Existe vontade de muitas lideranças para diversidade e inclusão, mas a inércia gera resistência para transformação cultural da organização
*Leizer Pereira
Eu comecei a trabalhar aos 14 anos, no final da década de 80, ainda no mundo analógico do telefone fixo, orelhão, TV de tubo, videocassete, 3×1 para tocar e gravar música, locadora de filmes, pesquisa na biblioteca do bairro e aulas somente em sala de aula.
Passados mais de 30 anos, muita coisa mudou. Se quero ouvir música ou assistir filmes, existem inúmeras plataformas de streaming; uso as redes sociais para me comunicar e relacionar com amigos; se eu for sair e não quiser dirigir, peço transporte por aplicativo; para saber das notícias, acesso portais de informações on-line; pesquiso sobre qualquer assunto em sites de buscas; posso estudar com vídeos do YouTube e sites de educação; 30% dos cursos universitários são online; e em 2021, pela primeira vez, os alunos matriculados nos cursos online superaram o número de alunos inscritos nos cursos presenciais. Dito isto, posso afirmar que houve uma revolução na forma que nos comunicamos, estudamos e divertimos. Mas e o jeito de trabalhar, o que mudou?
Nos últimos 30 anos, avançamos nas inovações tecnológicas, nos processos de gestão e nas metodologias ágeis, disponibilizando ferramentas para maior produtividade e automação das atividades; aprendemos com os erros do passado e evoluímos no compliance e governança corporativa; da Eco 92 evoluímos para desenvolvimento sustentável.
São todas boas notícias, mas e quanto ao ambiente de trabalho, o relacionamento entre os colaboradores, e jeito de liderar? Mudou para melhor?
Nos anos 90 não se ouvia falar sobre propósito, empatia, equidade, e felicidade no ambiente de trabalho. Essas palavras que soavam como palavrão, hoje são matéria-prima para empresas que querem evoluir na construção de ambientes inclusivos. Entretanto, a sensação que tenho ao entrar em algumas empresas hoje, me lembra o que eu via há 30 anos. Com ambientes contaminados com muito preconceito e discriminação; comentários pejorativos e piadinhas que humilham; pessoas vivendo de máscaras de segunda a sexta, sofrendo todo tipo de assédio; e muito comando e controle exercido por lideranças tóxicas.
Não se trata apenas de colocar uma frase bonita e uma cor vibrante na parede; colocar um puff, vídeo game, mesa de totó; ou liberar a cerveja às quintas-feiras, depois das 17h. Estamos falando de investir na construção de negócios inclusivos, onde a pessoa possa ser ela mesma, seja respeitada e esteja protegida de qualquer tipo de preconceito e discriminação, desenvolva pertencimento, tenha voz ativa, possa colaborar, tenha uma relação de confiança com a liderança e tenha acesso a oportunidades de crescimento.
Apesar desta triste realidade, tem muita gente boa focada no ESG e na nova cultura de diversidade e inclusão, participando de um movimento global para revolucionar o ambiente corporativo. O propósito dá sentido ao trabalho, além da obrigação de pagar boletos. Está mais que provado que felicidade, gera mais produtividade, retenção, desenvolvimento. Fora da equidade não existe meritocracia, e somente com a empatia entenderemos que mimimi é a dor do outro que não sentimos.
A resistência cultural para manter o status quo sempre vai existir, mas o copo está meio cheio. Estamos no meio de um processo rico de transformação cultural do mundo corporativo, um caminho sem volta. Ainda que as soluções não estejam todas prontas, tem muita coisa boa acontecendo e cada dia mais pessoas e organizações estão se engajando.
São mais de 20 milhões de organizações ativas no Brasil, entre grandes, pequenas e médias empresas, além das mais de 14 mil startups (Ministério da Economia 2022). Levar uma cultura transformadora de D&I para todo mundo não vai ser fácil, mas estamos no início de uma longa e complexa jornada. Apesar de realista, estou muito otimista com esse grande passo. Confesso que em 2016, quando fundei a Empodera, era apenas uma intuição que D&I ganharia relevância, mas hoje penso que saí para surfar uma pequena onda de D&I na praia do Arpoador/RJ e acabei surfando uma onda gigante, tipo as de Nazaré em Portugal.
* Leizer Pereira é palestrante, empreendedor e consultor especialista em estratégias para promoção da diversidade e inclusão nas empresas. É fundador e diretor executivo da Empodera, uma plataforma pioneira na construção de negócios inclusivos e preparação de carreira e conexão de jovens com organizações que valorizam a diversidade.