O problema é multidimensional, portanto, não basta focar na renda para resolvê-lo


Há muitos anos o Brasil convive com a pobreza. Mas, em 2021, durante a pandemia de Covid-19, essa grave situação chegou a atingir mais de 60 milhões de pessoas. Estudos revelam que, mais recentemente, houve uma diminuição no índice de brasileiros considerados extremamente pobres; no entanto, estamos longe de poder comemorar, já que mais de 50% da população de nove estados do país ainda vivem nessa condição inaceitável. 

É inadmissível essa longa convivência com a pobreza e suas consequências nefastas, como fome, violência, drogas, entre outras. No entanto, há caminhos efetivos para combater a pobreza que precisam, urgentemente, ser conhecidos pela sociedade e implementados.

Um engano recorrente de diversos setores da sociedade, ao olhar para esse cenário, é acreditar que a pobreza tem apenas uma dimensão — a econômica. Ao analisar por outros ângulos, é possível constatar que aproximadamente 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada e cerca de 100 milhões não têm coleta de esgoto, trazendo para a população da base da pirâmide um número enorme de doenças que poderiam ser evitadas.

O Brasil também voltou ao mapa da fome, do qual havia saído em 2014, com cerca de 60% da população em situação de insegurança alimentar em algum grau (leve, moderado ou grave). Além disso, quase 10 milhões de pessoas não sabem ler e escrever, e cerca de meio milhão de jovens acima de 16 anos abandonam o Ensino Médio anualmente; apenas 60% dos brasileiros terminam o ciclo escolar antes dos 24 anos. Desse total, somente 46% dos mais pobres concluem o Ensino Médio, ao passo que praticamente a totalidade (96%) dos mais ricos finaliza  o currículo escolar.

Muitos outros números poderiam ser citados , mas, deste ponto, já é possível enxergar com mais clareza a multidimensionalidade da pobreza no Brasil e entender que, sendo uma situação repleta de camadas e lados, não basta focar na renda para resolvê-la. Para encerrar esse extenso e tenebroso contexto em que a maioria da população sofre das mais diversas maneiras, o caminho mais adequado é incorporar uma abordagem integrada e multissetorial. 

Para possibilitar que os brasileiros tenham uma vida mais digna, é necessária uma profunda compreensão do significado de pobreza e uma série de atividades multidisciplinares junto aos mais pobres. No Instituto Dara, esse trabalho inclui a criação participativa de metas e de ações integradas nas áreas de saúde, moradia, geração de renda, cidadania e educação, visando à autonomia e ao desenvolvimento de famílias em vulnerabilidade social. E é com esta metodologia, que chamamos de Plano de Ação Familiar, que, em mais de 30 anos de trabalho, retiramos cerca de 85 mil pessoas da linha da pobreza, ainda que enfrentando todos os percalços comuns ao setor cidadão. 

Neste ano, a metodologia desenvolvida pelo Dara foi base para a criação da lei municipal nº 2.450/2023, o Programa Cuidar Itu, elaborado com o apoio do Instituto Tecendo Infâncias. Conduzido pela Prefeitura, proporciona um acompanhamento individualizado e intersetorial de cada família, compreendendo seus desafios e complexidades e promovendo o protagonismo para que a família possa transformar a própria realidade e exercer amplamente sua cidadania. 

Também, recentemente, firmamos um convênio com o Tribunal Justiça do estado do Rio de Janeiro (TJRJ), que leva auxílio nos campos da saúde, geração de renda, moradia, cidadania e educação a cerca de 200 pessoas em situação de vulnerabilidade social atendidas no âmbito da 1ª e da 2ª Vara da Infância, Juventude e Idoso da capital fluminense. O objetivo do programa, que começou em janeiro, é promover cooperação para o desenvolvimento de estratégias e ações integradas que contribuam para reestruturar a condição socioeconômica das famílias.

Para enfrentarmos a abismal desigualdade em que todos estamos imersos no Brasil, acreditamos ser urgente uma articulação entre todos os atores da sociedade civil e o Estado para a criação de uma política pública vigorosa, abrangente e duradoura. Essa, sim, será capaz de nos conduzir rumo a uma sociedade mais justa e equalitária. 

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Dra. Vera Cordeiro, fundadora e presidente do Conselho de Administração do Instituto Dara. 

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