Graduada em direito, Sílvia Scorsato tem dupla função no mercado financeiro e a missão de impulsionar a agenda ESG
Em abril deste ano, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e as entidades sindicais bancárias lançaram o Programa Nacional de Iniciativas de Prevenção à Violência Contra a Mulher. Sem grandes novidades no quesito estatísticas de gênero, o estudo mostra a baixa presença das mulheres nos cargos de liderança com 26,5% do total. A sub-representação é evidente diante do fato de 51,1% da população brasileira ser feminina.
Sílvia Scorsato é, portanto, uma exceção. A executiva graduada em direito é a diretora de ESG do Banco Sofisa e também a presidente da Associação Brasileira de Bancos (ABBC). Nas duas instituições comandou o avanço da implementação de boas práticas, que segundo ela, têm no pilar de governança sua maior materialidade, seguida do social. Já o ambiental é o maior desafio.
Segue nossa entrevista com Sílvia.
LANA PINHEIRO – Sílvia, além de diretora de ESG no Banco Sofisa, a senhora também é presidente da Associação Brasileira dos Bancos (ABBC), como a associação está tratando essa pauta?
SÍLVIA SCORSATO – Temos hoje na ABBC 118 instituições financeiras associadas entre bancos estrangeiros, nacionais, bancos tradicionais, instituições de pagamento, sociedade de crédito direto e cooperativas. É uma associação bem plural. Há dois anos e meio, assumi a presidência da entidade que já tinha algumas ações ESG. O que eu fiz foi trabalhar a agenda de forma estruturada, colocando o tema como um pilar da ABBC. Acredito que o nosso principal papel, enquanto associação, seja disseminar conhecimento.
De que forma?
SÍLVIA – Fizemos um guia ESG, lançamos nosso relatório de sustentabilidade, somos membro do Pacto Global da ONU, temos prêmios por liderança feminina e orientamos. Buscamos sempre servir de espelho para as nossas associadas.
Quando olhamos para a Europa, vimos uma legislação e uma taxonomia para o sistema financeiro bastante consolidada. A Anbima e a B3 e mesmo o governo estão avançando na construção de seus padrões. Como a senhora vê o nível de maturidade do ESG no mercado financeiro de maneira geral?
SÍLVIA – A parte de governança, sem dúvida, é uma fortaleza que o sistema financeiro tem, mesmo porque é um mercado altamente regulado. O desafio está em trabalhar a parte social e ambiental, sendo que, na minha opinião, a social evoluiu até mais do que a ambiental. A gente hoje tem vários programas de diversidade e inclusão, estamos trabalhando para aumentar a participação da liderança feminina, apoiamos organizações da sociedade civil entre outras ações. Na questão ambiental reside o maior desafio. Nossa agressão ao meio ambiente é pequena se compararmos a indústrias, então, o que os médios e grandes bancos médios estão fazendo é destinar recursos específicos para projetos responsáveis. Na medida em que os bancos e a legislação comecem a exigir a apresentação de alguns indicadores na tomada de recursos, o grau de maturidade deve escalar. Saber como está a questão ambiental dentro dos seus clientes é um grande desafio.
Quando falamos em banco, a questão da governança é core do negócio, mas como você enxerga a maturidade da governança nos demais setores econômicos no Brasil?
SÍLVIA – Em empresas maiores, a governança vem por meio de exigência regulatória e de demandas de investidores, em uma cobrança que vai além para quem está listado em Bolsa. Mas nas pequenas e médias empresas ainda há muito espaço para melhorias e até estruturação. Não digo que nem todas evoluíram, mas ainda tem muito espaço para avançar. Digo até em questões da percepção do valor que a governança traz para o negócio. Governança muitas vezes, infelizmente, ainda não é percebida como algo que gere valor.
Há uma sensação de que governança custa caro. O que a senhora pode falar sobre isso?
SÍLVIA – A governança de fato exige uma série de ações. Entre elas, implementar comitês, levantar indicadores, preparar relatórios. Isso gera custo para a empresa, mas, na verdade, não é custo, porque isso ajuda a organizar a empresa melhor. A governança permite tomar uma decisão diferente, ser mais rentável, mais produtivo, mais eficiente, além de ser uma exigência presente de consumidores, investidores e colaboradores.
A falta de boas práticas ESG corporativas dificulta o acesso ao capital?
SÍLVIA – Ao capital internacional, certamente. Ao capital nacional depende do valor.
Sobre o Sofisa, como o ESG é aplicado na realidade do banco?
SÍLVIA – O Banco Sofisa tem 62 anos de tradição já constituída e sempre teve as questões sociais de governança bem fortes. E estamos sempre evoluindo. Eu entrei no banco em 2015 como responsável pelo jurídico da instituição e passado dois anos, comecei a trabalhar especificamente com governança, que é o forte da instituição. Sendo uma instituição financeira, regulada pelo Banco Central, as questões de governança sempre seguiram as melhores práticas: tomada de decisão, construção de comitês, solidez financeira, indicadores. Mas o Banco tinha questões e trabalhos que não estavam estruturados, não estavam mapeados e organizados, como o relatório de sustentabilidade que lançamos este ano e a própria diretoria de ESG.
Qual foi o desafio da nova diretoria?
SÍLVIA – A pauta de governança já vinha sendo tratada e a social também. O desafio era mais uma questão de estruturação e focar na parte ambiental, que tinha um trabalho menos relevante do que as outras.
Como essa pauta social se desenvolveu?
SÍLVIA – O banco, acho que por questão de tradição, da família e dos sócios, sempre teve um viés muito voltado para ajudar e valorizar pessoas. Isso se via muito fortemente dentro do banco, tanto para os colaboradores quanto para a sociedade ou mesmo para o cliente. Já havia várias ações, como bonificação para quem tem filho, bonificação para quem casa, prêmios ligados a esses eventos. Somos uma empresa cidadã que preza pelas melhores práticas trabalhistas, respeito e ética. São alguns dos valores do Sofisa. E a gente também tem muito trabalho externo com projetos ligados à formação de jovens, à formação de pessoas com algum tipo de deficiência. Alguns deles com por meio de incentivos fiscais e outros por meio de doações e iniciativas internas.
E como está a parte ambiental?
SÍLVIA – Começamos com ações de neutralização da pegada de carbono. Fizemos em 2021, em 2022 e faremos agora em 2023. Também aumentamos financiamentos destinados a pequenas e médias empresas na Amazônia Legal, que é um projeto muito interessante. A gente já tinha recursos destinados aos estados e empresas pequenas e médias na Amazônia Legal, mas demos um salto muito grande quando entramos nesse programa, com um crescimento de 170% de 2021 para 2023. Com a criação da diretoria ESG, o trabalho ganhou mais força e visibilidade tanto internamente como externamente. Hoje, por exemplo, 10% dos nossos funcionários são embaixadores ESG.
Como banco, quais são os benefícios que vocês têm percebido na medida em que a agenda ESG avança?SÍLVIA – O maior benefício é o impacto nas pessoas e tem uma geração mais nova que valoriza muito a agenda. São talentos que vão escolher a empresa onde trabalharão pelo seu propósito, pela maneira como ela lida com o assunto, pelo jeito como ela ajuda a melhorar a sociedade. Então, o primeiro benefício é a entrada e a retenção de talentos. Outro, é a relação com o cliente que percebe esse valor quando vai fazer um investimento. Ele também escolhe a marca com a qual vai se relacionar observando se há relatório de sustentabilidade, como trata a questão da liderança feminina, a diversidade, questões sociais e ambientais. Claro que não só por isso, também por questão de rentabilidade, preço etc. Depois também a própria questão de investidores. Quando você faz no mercado financeiro uma captação, você de fato tem ali uma possibilidade de um menor custo, demonstrando esses vieses de acompanhamento ESG.