Instituto Homem Pantaneiro mostra que a convivência pacífica entre onça e ruralistas é possível
Na borda leste do Mato Grosso do Sul, onde o Brasil faz divisa com a Bolívia, um grupo de profissionais escolheu o Pantanal para viver, para proteger e para mostrar que o desenvolvimento econômico no bioma mais protegido do planeta é possível. Juntos atuam no Instituto Homem Pantaneiro (IHP), uma organização sem fins lucrativos, que está mudando a maneira dos produtores rurais da região a se relacionarem com a onça-pintada, com as queixadas e com as nascentes dos rios que abastecem a região. “O Pantanal é um exemplo mundial de que é possível uma convivência pacífica entre a pecuária e a onça-pintada”, afirmou o coronel Ângelo Rebelo, fundador do IHP.
Essa realidade, porém, é recente. Até 2002, quando o IHP foi fundado prevalecia a mentalidade de que a onça deveria ser abatida. A relação conflituosa era alimentada por perdas financeiras. Considerado um dos maiores predadores do Brasil, o felino atacava rebanhos de bois, carneiros ou qualquer presa que via pela frente, causando prejuízos a quem se aventurava e criar um pasto por ali. O resultado é que fazendeiros não se intimidavam e ao avistar os animais o abatiam.
Por ironia do destino, foi um desses conflitos que culminou na criação do Projeto Felinos, de proteção à onça pantaneira, que funciona sob o guarda-chuva do IHP. Esse pedaço da história começa, quando o pecuarista José Carlos Bumlai vendeu a fazenda Cristo Rei, com uma área de 110 mil hectares localizada nos municípios de Miranda e Corumbá (MS), à BrPec Agropecuária, empresa de grãos e proteína animal ligada ao BTG Pactual. “Eles tinham acabado de perder 900 cabeças de gado em um ataque de uma onça e queriam uma solução sem abater o animal”, afirmou o Coronel Rabelo. E aqui entra outra ironia do destino com a contratação de Diego Viana, médico veterinário do IHP.
REVIRAVOLTA
Viana é neto de Manoel Quintiliano, mais conhecido como Mané Brabo, que quando jovem caçava onças pantaneiras. Hoje, o neto as defende. “No fundo, nosso objetivo é o mesmo. Encontrar a onça. Mas ele as caçava, eu as protejo”, afirmou. A primeira ação nessa jornada foi a Fazenda Cristo Rei. Ali ele implementou a tecnologia de cercas elétricas com carga suficiente para assustar o animal, sem machucá-lo. Neste modelo, o espaçamento entre postes, entre os fios e com a carga certa é essencial para o resultado obtido. Após um ano de trabalho, os ataques foram reduzidos em 75%. “Para o produtor, a economia vem na preservação do rebanho e no custo da cerca elétrica que é menor do que a convencional”. Essa mesma tecnologia foi usada em uma propriedade que teve 83% de sua lavoura de grãos destruída por um grupo de queixadas. No ano seguinte, com a adoção do sistema, o aproveitamento foi de 100% da lavoura.
Como diz o próprio Viana, no entanto, “para um resultado efetivo é preciso múltiplas estratégias.” Aqui entram mais três tecnologias usadas pelo IHP. Uma delas é conhecida por foxlight, um dispositivo que emite sinais luminosos em diferentes padrões de cores e frequências que assustam as onças. De acordo com o médico veterinário, uma das fazendas da região que já havia tido prejuízos com ataques ficou dois anos sem nenhuma ocorrência. As outras, que vão além da relação com a agropecuária, é a utilização de câmeras e de colares de monitoramento. Com peso de 450 gramas, os colares não machucam os animais e emitem dados importantes via satélite à base do IHP, como a área habitada pela onça, sua trajetória e localização em tempo real.
Atualmente, a organização tem apenas dois colares. Um deles está em um macho batizado de Guató. O outro estava no Joujou, o macho que ficou famoso no Brasil após queimar as quatro patas no incêndio histórico que consumiu 90% da Serra do Amolar, onde o projeto é realizado, e cerca de 30% do bioma em 2020. No fim de junho o colar do Joujou caiu. “O dispositivo é feito para se soltar em data pré-programada pela equipe ou com o fim da bateria”. A meta do Coronel Rabelo agora é aumentar o número de colares e expandir o monitoramento e o trabalho de preservação para outros biomas.
Para ganhar escala, o IHP conta com algumas estratégias. Doação de pessoas físicas, parcerias com produtores rurais e com marcas estão entre elas. A mais recente foi com a General Motors que recebeu a informação de que o projeto precisava de um carro. Além da picape Chevrolet S10 Z71, a empresa doou uma quantia que equivale a 50% do orçamento anual do Felino Pantaneiros de cerca de R$ 300 mil. Para a vice-presidente de Comunicação, Relações Governamentais e ESG, Marina Willisch, o projeto conversa com valores da marca. “Precisamos assumir essa responsabilidade e colaborar para cuidar não só da sociedade, mas também do meio ambiente em que estamos inseridos.”
A luta segue. Para a manutenção de todo o IHP que ainda tem iniciativas como a Cabeceiras do Pantanal onde produtores e comunidades locais são estimuladas a preservar área de nascente de rios, o valor ultrapassa R$ 1 milhão. Uma quantia que não paga o trabalho que está sendo feita por um time que se dedica a uma riqueza inestimada que o Pantanal representa para o Brasil.
Este texto trata majoritariamente das ODS2, ODS15, ODS17