John Elkington criador do Triple Bottom Line, se diz admirador de várias empresas nacionais como a Natura
Consultor britânico de 73 anos, John Elkington faz jus ao título de Papa da Sustentabilidade. Foi ele o criador do Triple Bottom Line, primeiro conceito de gestão que orientava executivos a considerarem o tripé Pessoas, Planeta e Lucro no processo de tomada de decisão. Integrou também o grupo de fundadores do Global Reporting Initiative (GRI), modelo de relatório de sustentabilidade com o mais alto padrão de governança, e participou ativamente da criação dos índices Dow Jones que medem o alinhamento das corporações à agenda. Além de tudo, é um entusiasta do Brasil. Já perdeu as contas de quantas vezes esteve por aqui. Na última, a convite da Klabin, concedeu esta entrevista à DINHEIRO e disse que, apesar do seu amor pelo País e pela admiração que nutre pelos empresários, está preocupado com o futuro. “No Brasil encontro pessoas excepcionais trabalhando para fazer coisas excepcionais em sustentabilidade. O problema é que raramente contam com o apoio do governo”, disse.
LANA PINHEIRO – Como você enxerga a posição do governo e das empresas brasileiras no tocante à agenda ESG?
JOHN ELKINGTON – É uma pergunta complexa pela diversidade que encontramos aqui. Entre as empresas, posso dizer que tenho contato com algumas que adotam práticas realmente avançadas, como a Natura. Eu visitei a sede da empresa, conheci os fundados e admiro enormemente o que estão fazendo. São best in class na agenda. É impressionante. Mas em visitas à São Paulo, como uma que fizemos com o time da Global Reporting Initiative, vemos helicópteros descendo a todo momento nos prédios de grandes escritórios. Eu não sei como isto faz sentido: pousamos nos heliportos, descemos alguns andares, nos reunimos com a diretoria executiva e pegamos o helicóptero de novo. São pessoas que falam sobre ESG, sustentabilidade, mas que não mostram, a mim ao menos não mostraram, a sua rede de fornecedores ou ações que realmente estão fazendo.
Uma das teses que o senhor defende é que está cada vez mais difícil separar a agenda da sustentabilidade da agenda política. A aproximação é positiva ou negativa?
Muitos dos líderes empresariais quando falam sobre suas ações sustentáveis ainda se limitam a querer mostrar que são mais legais ou transparentes, em fazer relatórios e realizar algumas ações sociais. Tudo isso é ótimo, mas o problema é que enquanto isso está acontecendo, as políticas públicas não estão funcionando como deveriam. Por muito tempo, empresários foram orientados a ficar de fora da política. Agora precisamos que eles entrem na agenda novamente, mas que façam isso com transparência para deixar claro que trabalham pelos temas certos. Só assim ganharão a confiança da sociedade.
Sobre transparência, essa é uma questão em que discurso e prática estão em descompasso. As empresas ainda controlam a narrativa sem mostrar dados para comprovar o que falam. Haverá consequências?
Na minha opinião, as empresas que estão conscientemente poluindo a atmosfera com gases de efeito estufa (GEE), que acham que podem fazer o que querem e falam coisas diferentes do que fazem têm que ser levadas à justiça. Isso custará milhares de vidas e trilhões de dólares. Por que deveriam sair impunes?
Em 1994, o senhor criou o conceito do Triple Bottom Line. Ele foi aplicado como o senhor imaginou?
No começo houve um grande impacto. Eu realmente adoro algumas coisas que surgiram com o Triple Bottom Line como o fato de eu fazer parte do grupo que fundou o Global Reporting Initiative (GRI), um modelo de relatório de sustentabilidade que é adotado por milhares de empresas do mundo. Acho que foi muito útil, ajudou empresas a adotarem a prática de fazerem relatórios de sustentabilidade, mas ainda há quem pense que fazer só isso é suficiente. Não é.
Qual é a falha?
Acho que muitas empresas não trabalharam nas soluções integradas que o Triple Bottom Line propõe ao considerar Pessoas, Planeta e Lucro (profit, em inglês). Houve falhas. O passo adiante são os três ‘Rs’: Responsabilidade, Resiliência e Regeneração. O clima está oscilando, os sistemas políticos estão instáveis e a globalização está em risco. Por isso, além de ter uma atitude responsável, é preciso ser resiliente e ir rumo a uma economia regenerativa.
Estamos perto do fim da globalização?
A globalização trouxe grandes benefícios, mas também aumentou muito as desigualdades colocando um volume substancial de riquezas nas contas bancárias de um pequeno grupo de pessoas. Em alguns casos foi legítimo, como o crescimento de grandes empresas. Em outros, foi corrupção. Essa é a razão pela qual há um número crescente de pessoas votando em líderes populistas. Elas acreditam que eles mudarão isso, mas não o farão. Acredito que, eventualmente, as pessoas comuns acordarão. Por isso precisamos de uma nova liderança, inclusive no mundo dos negócios.
O que emergirá no lugar?
Hoje quando falei sobre a desglobalização para uma plateia de executivos, vi muitos acenando positivamente com a cabeça. Eles sabem que está perto. Exportadores estão começando a ficar nervosos com questões políticas de alguns países para os quais vendem seus produtos. Pode ser Turquia, Sri Lanka, Vietnã, mas o principal motivo de preocupação é a China. Isso abrirá espaço para a repatriação da produção, beneficiando os produtores desses países. A história sugere que o período de globalização chegará ao fim e meu instinto diz que isso acontecerá em breve.
No seu mais recente livro, o senhor fala sobre a economia regenerativa e os Green Swans (cisnes verdes). De que modo eles contribuem para economia do futuro?
A descarbonização é um grande desafio e a economia regenerativa é excitante porque é um caminho. E, o melhor, já há milhares de pessoas no mundo trabalhando para regenerar ecossistemas, sociedade, política e a economia. Já a imagem do cisne verde representa uma necessária mudança de chave nos mercados, na política e na tecnologia. A eletrificação de veículos é um exemplo, de um Green Swan.
O senhor enxerga esse futuro no Brasil?
Essa é uma das razões que gosto muito de vir para cá. No Brasil encontro pessoas excepcionais trabalhando para fazer coisas excepcionais em sustentabilidade. O problema é que raramente contam com o apoio do governo.
Este texto foi publicado inicialmente na IstoÉ Dinheiro quando eu ocupava a função de editora de ESG.